Sunday, August 4, 2024

A DIMINUIÇÃO DO QI, O EMPOBRECIMENTO DA LINGUAGEM E A RUÍNA DO PENSAMENTO.

 
     Christophe Clavé

“O efeito Flynn, baptizado em homenagem ao seu criador, prevaleceu até à década de 1960. O seu princípio é que o Quociente de Inteligência (QI) médio continua a aumentar na população. No entanto, desde a década de 1980, os investigadores das ciências cognitivas parecem partilhar a observação de uma reversão do efeito Flynn e de uma queda no QI médio.


A tese ainda é debatida e numerosos estudos estão em andamento há quase quarenta anos, sem conseguirem acalmar o debate. Parece que o nível de inteligência medido pelos testes de QI está a diminuir nos países mais desenvolvidos e que uma multiplicidade de factores pode ser a causa.


Somado a este declínio muito contestado no nível médio de inteligência está o empobrecimento da linguagem. São numerosos os estudos que demonstram o encolhimento do campo lexical e o empobrecimento da língua. Não se trata apenas da redução do vocabulário utilizado, mas também das subtilezas da linguagem que permitem desenvolver e formular um pensamento complexo.


O desaparecimento progressivo dos tempos (subjuntivo, passado simples, imperfeito, formas compostas do futuro, particípio passado, etc.) dá origem ao pensamento no presente, limitado ao momento, incapaz de projeções no tempo. A generalização da informalidade, o desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação são golpes fatais na subtileza da expressão. Eliminar a palavra “mademoiselle”(1) não é apenas renunciar à estética de uma palavra, mas também promover a ideia de que entre uma menina e uma mulher não há nada.


Menos palavras e menos verbos conjugados significam menos capacidade de expressar emoções e menos possibilidade de desenvolver um pensamento.


Estudos têm demonstrado que alguma violência na esfera pública e privada provém diretamente da incapacidade de expressar emoções em palavras.


Sem palavras para construir o raciocínio, o pensamento complexo caro a Edgar Morin fica dificultado, impossibilitado. Quanto mais pobre a linguagem, menos pensamento existe.


A história é rica em exemplos e há numerosos escritos, desde George Orwell em 1984 até Ray Bradbury em Fahrenheit 451, que relataram como ditaduras de todas as convicções impediram o pensamento, reduzindo e distorcendo o número e o significado das palavras. Não há pensamento crítico sem pensamento. E não há pensamento sem palavras. Como construir o pensamento hipotético-dedutivo sem dominar o condicional? Como podemos imaginar o futuro sem conjugação com o futuro? Como compreender uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, sejam eles passados ou futuros, bem como a sua duração relativa, sem uma linguagem que faça a diferença entre o que poderia ter sido, o que foi, o que foi é, o que poderia acontecer? , e o que acontecerá depois que o que poderia acontecer aconteceu? Se hoje se ouvisse um grito de guerra, seria este dirigido aos pais e aos professores: façam com que os vossos filhos, os vossos alunos, os vossos alunos falem, leiam e escrevam.


Ensine e pratique o idioma nas suas mais variadas formas, mesmo que pareça complicado, principalmente se for complicado. Porque neste esforço reside a liberdade. Aqueles que explicam constantemente que é preciso simplificar a ortografia, expurgar as 'falhas' da linguagem, abolir os géneros, os tempos verbais, as nuances, tudo o que cria complexidade são os coveiros da mente humana. Não há liberdade sem exigências. Não há beleza sem o pensamento da beleza.”


Christophe Clavé.

Nota 1: Tradução do Francês

Monday, October 3, 2022

BREVISSIMA HISTÓRIA DOS MITOS E DOGMAS ECLESIÁSTICOS

 

Em 325, no Concílio de Niceia, Constantino, o Grande, criou a Igreja Católica após um genocídio de 45.000 cristãos, onde os torturou para renunciarem à reencarnação. Ao mesmo tempo, os livros religiosos de todas as aldeias do império foram colectados e, assim, criam a bíblia.

Em 327, Constantino, conhecido como imperador de Roma, ordenou que Jerónimo traduzisse a versão da Vulgata para o latim, mudando os nomes próprios hebraicos e adulterando as escrituras.

Em 431, o culto à virgem foi inventado.

Em 594, purgatório foi inventado.

Em 610, foi inventado o título do Papa.

Em 788, é imposta a adoração de divindades pagãs na forma de santos.

Em 995, o significado de kadosh (posto de lado) foi alterado para santo.

Em 1079, o celibato dos padres é imposto. O celibato é uma palavra inteiramente católica.

Em 1090, o Rosário foi imposto.

Em 1184, a Inquisição foi perpetrada.

Em 1190, as indulgências passaram a ser vendidas.

Em 1215, a confissão foi imposta aos padres.

Em 1216, o conto do Papa Inocêncio III sobre o terror do pão (um deus na mitologia grega), que se transforma em carne humana, foi inventado.

Em 1311, o baptismo prevaleceu.

Em 1439, o inexistente purgatório foi dogmatizado.

Em 1492 os judeus são expulsos de Espanha e Portugal.

Em 1854, o dogma da Imaculada Conceição foi inventado.

Em 1870, foi imposto o dogma da infalibilidade do papa.

São mais de 2500 invenções do Cristianismo para escravizar o ser humano. 

As religiões e seus deuses foram criados como meio da manipulação e do negócio. Como parte da evolução do ser humano está a liberdade da permanência desses meios de manipulação. Embora aos poucos o ser humano esteja na era do despertar, verifica-se que a cada dia os jovens são menos religiosos. 



Thursday, February 24, 2022

O SILÊNCIO E O SEU MANTO



Há por aqui um vasto silêncio que se estende indefinidamente, cortado de quando em vez por gaivotas que grasnam saudades da maresia. Na praça, indiferente, um semáforo eterniza a sequência das suas luzes.
Associo então, imagens e situações. Imagino-me no espaço. Aí também há um enorme silêncio povoado de inaudíveis ruídos. O universo pulsa enquanto a energia circula, positiva e negativa, sem expressão na ausência de emoções, sentimentos e agendas.
É nas agendas que encontramos a conotação de mal ao negativo e de bem ao positivo, quando são apenas opostos que, juntos, formam o magnetismo e a electricidade.
Vem-me à memória o Tao teQing:

"Havia algo de indeterminado antes no nascimento do Universo. 
Essa qualquer coisa, voga sem cessar.
Como não lhe conheço o nome, chamo-lhe Tao
Sem nome deve ser a Mãe do Universo.
Com um nome é o Antepassado dos deuses."

e nesse vaguear vejo que, por ser Vazio, tudo contém.

E depois Buda disse que o
O mundo é impermanência e ilusão.
É sofrimento.
Liberta-te do sofrimento.
Para te libertares desapega-te.

Olho em volta e vejo galáxias, e a nossa também. E nesse silêncio da nossa galáxia, a Via Láctea, aprendo que astrónomos identificam setenta planetas para depois acrescentar que "poderão existir milhares de milhões destes planetas gigantes a "vaguearem" pela Via Láctea sem estrela hospedeira."

O Universo transcende a nossa percepção de dimensão. Estamos acorrentados a crenças já subliminares, herdadas, na qual o geocentrismo de Ptolomeu e depois o heliocentrismo de Copérnico, até ao julgamento de Galileu. Quando digo crenças incluo nelas a desnecessidade de pensar ou questionar sobre o assunto. Aceita-se porque é mais cómodo.

A mente é um novelo onde tudo cabe, se mistura e confunde. Culpa, preconceito, paixão, desejo, ódio, ganância. 
Esvaziá-la é limpá-la. Parece fácil mas não é. 
Alguém disse que todos os caminhos que conduzem à perdição são largos e em declive, por onde se escorrega alegremente para baixo.
Um caminho só, ascendente, leva a que tomemos o alpinismo como exemplo, exigindo coragem inconformismo e determinação.

Somos o que fizeram de nós. Na infância inculcaram-nos o mesmo que os nossos antecessores "sofreram". Contudo o importante é sacudir o jugo das crenças inculcadas, porque, quando olhamos o Universo, quando cientistas aludem a milhares de milhões de planetas na Via Láctea, então é forçoso admitir não apenas que Ptolomeu e Copérnico estavam errados, como é absurdo pensar que somos os únicos seres no Universo. 

Nos Vedas, sânscrito para Conhecimento, vêm referidos várias vezes os Vimana, naves espaciais como a que aparece aqui, sob o nome de carruagem celestial:


O objectivo desta reflexão não é fazer o elogio de coisa alguma, mas antes propôr o descentrar, a retirada da terra do centro do Universo e, assim, a objectividade da sua subjectividade.




Tuesday, July 13, 2021

A GEOGRAFIA, O TEMPO E AS VERDADES

 

Toda a mudança assusta! Nicolau Maquiavel, o autor de “O Príncipe” e “A Arte da Guerra” (dell'arte della guerra) escreveu que a “mudança criava sempre muitos opositores. Porém, uma vez estabelecida, aqueles que mais ferozmente se tinham oposto a ela, seriam os que dela mais beneficiariam”.

A década da Revolução Francesa, que destrona um regime opressor e absolutista, rapidamente se desenvolve na tomada da Bastilha, na formulação da Declaração Universal dos Direitos do Homem e Cidadão e, ao som dos gritos de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, se constata como essa década iniciada em 1789 se auto-destruiu com os seus diversos processos evolutivos ajudados pela invenção do médico Joseph Ignace Guillotin. Essa década, onde o Absolutismo deu lugar à República, veria tantas mortes tornadas inúteis com a emergência de um certo Napoleão Bonaparte, vindo do Consulado.
É bom termos em conta que a chamada velha Europa foi o continente de onde partiram movimentos a que hoje ainda chamamos, eurocêntricamente, de "descobrimentos", que levavam consigo a semente do colonialismo, do imperialismo e do esclavagismo.

O período da Revolução Francesa e as diversas ilacções que dela se podem extraír – e serão várias e diversas – é paradigmático da contradição humana e, sobretudo, dos incontroláveis movimentos de massas. 
A Europa foi, assim, o berço do expansionismo marítimo de que resultaram conquistas perpetradas por nós, portugueses, seguidos pouco depois, pelo holandeses e ingleses. Foi da Europa que nasceu a maior nação imperialista, localizada na América do Norte, futuramente integrada no conceito de Ocidente, e edificada sobre o genocídio de cem milhões de ameríndios. É preciso reconhecer que a chegada dos portugueses, a partir de 1500, às terras de Vera Cruz,  portadores de escravos africanos e de virus que liquidaram muitos índios e alimentaram de ouro o reino. É preciso ter em conta a matança Azteca de Hérnan Cortés a partir de 1509, sem contar com as guerras intestinas europeias, além de duas guerras mundiais. 

Nunca nenhum continente foi mais colonialista, esclavagista, belicista do que a Europa, alimentada por um imcompreensível sentimento de superioridade civilizacional. 


Assim, num tempo em que a Europa se tem como uma União Democrática, tenho-me questionado sobre o significado desse termo. 


Poder do povo? Porque há eleições e liberdade de expressão? E que dizer dessa União onde o Brexit foi um rombo e onde uma Alemanha e a França ditam as regras do jogo? Praticamente ninguém diz nada sobre o jogo. As eleições que tanto prezamos no momento histórico, porque se acredita que legitimam a vontade das massas, deram origem a uma classe que nomeamos de políticos, alguns dos quais, poucos ainda, já se encontram atrás das grades, no pós sufrágio popular. A democracia gera sobretudo políticos, mas pouquíssimos são estadistas.

E tudo isto porque, como sempre na história da humanidade, vivemos a e da circunstância. Mais do que isso, somos a circunstância, com o préstito de crenças que arrastamos connosco consoante a geografia em que existimos.


Vivemos uma actualidade onde cabem a globalização, a realidade virtual, comunicações internacionais instantâneas, informação também imediata, pagamentos digitais, cirurgias robotizadas, inteligência artificial, jornais digitais, comércio digital e, naturalmente, redes sociais onde, para nos inscrevermos, damos parte da nossa informação pessoal. Mas, dizem, existem regras de preservação de dados pessoais. Dizem... 


Há já muito tempo que qualquer piloto de uma aeronave comercial programa o computador de bordo para o trajecto que quer e apenas se preocupa com o arranque e, se quiser, com a aterragem. 

Enquanto os automóveis híbridos e eléctricos se vão afirmando na medida da capacidade de compra das populações, e os automóveis sem condutor já estão na sua fase experimental, ameaçando em breve tornar realidade a ficção científica.


É assim que vem a propósito a análise de uma interventora brasileira sobre o terrível drama da existência de câmaras de reconhecimento facial na China que, sem as características da democracia Ocidental – já dita e reescrita – parte do princípio geográfico-circunstancial da diabolização de todas as práticas que não cabem na formatação do seu e nosso pensamento, mesmo quando este sofre da enorme contradição que todas as diabolizações e geo-etnocentrismos acarretam.


E assim temos que, um país como a China, que inventou a pólvora, a bússola, o papel, a seda, o sismógrafo, a besta, o papagaio de papel para usos militares, que sempre foi reino e mais tarde império, usufruindo do encorajamento actual todo poderoso na prossecução de avanços tecnológicos, recorre à tecnologia do reconhecimento facial para poder assegurar o controle de 1.400 milhões de habitantes de uma maioria Han e 56 minorias étnicas. 

Numa realidade chinesa, eis que a apresentadora fala nos valores da liberdade, do direito à privacidade, e todos os valores ocidentais actuais – que já foram entregues de mão beijada a todos os poderes virtuais e reais com o telemóvel, o cartão de crédito, e todas as outras formas tecnológicas em uso – como quem diz que comer com pauzinhos é a maior selvajaria num tempo em que o Ocidente comia à dentada ou com uma simples faca sobre uma fatia de pão.


A senhora em questão talvez se esqueça das milhares de favelas onde a sobrevivência se faz pelo tráfico de droga e pela matança violenta.


A senhora talvez se esqueça que é errado avaliar outras culturas pelos parâmetros da sua cultura. 

De facto, nem toda a gente conhece a maravilhosa MPB, mas esta não é única. Nada é único hoje em dia. Tudo é subjectivo.


Por isso, quando os automóveis que nos conduzirão sozinhos tiverem de recorrer ao reconhecimento visual para não serem roubados, como hoje já há telemóveis que usam o reconhecimento facial para se desbloquearem, talvez possamos ver o alcance não apenas do reconhecimento facial, mas quiçá de sistemas políticos que se não enquadram na formatação “democrática” ocidental, mas que demonstram níveis de crescimento tão elevados que ridicularizam o Ocidente, o mesmo que envenenou com ópio e pilhou a China há menos de 200 anos. 

Escrevi uma vez que não se podia analisar as filosofias chinesas segundo óculos ocidentais. Para mim o cogito ergo sum constitui a mesma redundância que o ditado chinês qualquer um sabe que a mãe é uma mulher

Mas é apenas para mim, que sei que não sei. Por outras palavras, o enraízamento e cristalização das convicções tornam-se etnocêntricas de um e de outro lado.


Vejamos: a privacidade não existe na China com os mesmos princípios e valores que existem no Ocidente. Na China, até a bacia de água para lavar o rosto é partilhada há milénios, que a água não era corrente. Avós, filhos, netos e bisnetos coabitam sob o mesmo tecto. Esse o conceito de família, isto é, quem casa não quer casa. 


Vista interior de um tulou mostrando a contiguidade dos lares
e o sentido de privacidade.

Os Tulou 土樓 de Fujien, construídos pelos hakka 客家, são o resultado da construção de casas-fortalezas feitas de terra (daí o nome) onde habitam, colectivamente, dezenas de famílias, tudo sem a tal privacidade tão cara ao ocidente. Dir-se-ia uma transversalidade seguramente étnica, em que cada criança é cuidada por todos aqueles dos compartimentos-casas vizinhos. Talvez seja a invenção chinesa daquilo que mais tarde o Ocidente chamaria de cooperativas, no pós Revolução Industrial. 


vários Tulou protegem-se mutuamente

Não se trata de promiscuidade. Confúcio não formulou nenhum ensinamento promíscuo. Antes criou a teia mais importante que sempre suportou a China: os laços familiares, tão precisos que, ao se ouvir nomear um parente, sabe-se o grau de parentesco, e se é do lado materno ou paterno. Nos templos de todas as aldeias existem livros onde se pode ver a genealogia de cada família, séculos a fio.

Foi esta densificação e, porque não, estratificação cultural que ocasionou sempre uma desconfiança em relação ao Ocidente, isto é, um sentimento de auto-suficiência de tal modo, que o tempo, bem mais lento que o ocidental, parou.
E assim, perante o anacronismo de um império manchu, se deu a invasão Inglesa da I Guerra do Ópio, espadas e canhões obsoletos contra arsenais poderosos e, depois da segunda Guerra do Ópio, a suprema humilhação.


Ninguém que não tenha estado na China, não fale mandarim ou algum dos inúmeros dialectos, não tenha experienciado o modo de vida chinês pode avaliar, objectivamente, o que a esmagadora maioria dos 1.400 e muitos milhões pensa sobre regimes autoritários, depois de milhares de anos de impérios autocratas. Existiram rebeliões no passado, tudo para mudar o mandato celestial 天命 para que o mesmo céu 天 concedesse a outro, a sua bênção, para assim poder exercer o renovado e transferido poder de Filho do dito Céu.


Pertenço a dois mundos confluindo em Macau. Português nascido nas faldas do Celeste Império, já Mao Zedong tinha conquistado o poder, dei por mim a falar o português que sou e escrevo, o cantonense que falo e o inglês que fui apurando, e o francês aprendido no Liceu. Esta a minha circunstância, e o legado que transporto, que é ser eu mesmo, sem, naturalmente, me vergar perante nada nem ninguém.


O problema da curvatura é que ela requer uma sujeição, ou mais que uma, conforme o vento.

E para que a curvatura se confirme, à maneira dos presos que vigiavam presos em Peniche ou em Dachau, era preciso recorrer simultaneamente à ameaça para baixo e à subserviência para cima, aquela obediência que os chineses apelidam de “canina”, dos cães que abanam a cauda para cima.


O Ocidente dito democrático, possui a vantagem da liberdade de expressão. Pergunto-me porém, se a maioria dos chineses tradicionais, isto é, sem os tiques inculcados pelos britânicos do ópio, por exemplo, se exprime naturalmente com liberdade. Penso que não, que não sentem necessidade de se revelarem. Seria uma estupidez deixar saber o recôndito do seu pensamento.
Não é por acaso que existe o carácter 忍 que significa suportar, aguentar, e que se compõe de uma lâmina (rèn) 刃 sobre o coração 心 (Xin), característica cujos cânones só foram quebrados por raros ministros que arrancavam os olhos 沒有眼睛看 (não tenho olhos para ver isto) e os atiravam aos pés dos seus imperadores antes de se suicidarem em protesto pelos caminhos das dinastias que serviam. Suportar significa também temperança no que se diz, por sabedoria. Suportar, aguentar, foi o que os chineses fizeram durante as ocupações estrangeiras que impediam a entrada a cães e a estrangeiros.


Há muito caminho a percorrer até que a tolerância seja mútua, e se assista à queda dos pedestais dos que, a ele subindo, se armam em defensores de uma ocidental liberdade, em nome de uma verdade grandiloquente e universal. 

Apetece fazer a inevitável pergunta: mas, algum de nós é verdadeiramente livre?

Às vezes, para que o respeito mútuo se alcance, parece ser necessário um cataclismo, se até lá não tivermos a capacidade de nos mirarmos ao espelho da verdade.


Até lá, vamos tendo as verdades em blocos, como se o gelo glaciar já não estivesse a derreter-se.


Saturday, June 19, 2021

OS PARDAIS E O MILHO

O PRIMEIRO MILHO

Em 2016, em Paris, com um golo de Éder, tornamo-nos Campeões da Europa.

Aquilo encheu-nos de orgulho. No século XXI tínhamos conseguido o almejado título depois do falhanço de Eusébio e da linha avançada do Benfica, no mundial de 1966. Foram precisos 55 anos para conquistarmos, internacionalmente um título.

Ontem – porque é sempre bom dormir sobre o assunto – entusiasmados pela vitória sobre a Hungria, enfrentámos a Alemanha, a quem pedíamos meças, recordados do hat trick de Sérgio Conceição.

Mas como diz o ditado, “jogam onze contra onze e no fim quem ganha é a Alemanha”, ditado quase tão fatal como o destino.

Porém este resultado despertou em mim o desejo de uma melhor compreensão, porquanto me recordei do documentário sobre o modo como os germânicos renovaram o seu futebol, coisa que por cá continua pelas academias e para as calendas. 

Depois vem a questão do consumo. Nós temos viveiros com pardalitos jeitosos que, mal dão sinal de si, são comprados por valores de saldo pelos poderosos europeus. Assim aconteceu com Ronaldo, Diogo Jota, João Félix, Bernardo Silva, Bruno Fernandes, André Silva, Ruben Dias, Ruben Neves, João Moutinho, Gonçalo Guedes, João Cancelo, Rui Patrício, Danilo, William Carvalho, nomes “estrangeiros” que por si comporiam a selecção. 

Em resumo, somos um país “criador-exportador” que vive dos primeiros lucros. Depois, os pardais, nos novos ninhos, voam alto.  Não temos capacidade de fixar os melhores nem de ter uma Liga de qualidade.


Analisemos assim alguns dados que considero relevantes:

O salário mínimo nacional de alguns países europeus é o seguinte:

Portugal       740 euros

Espanha    1.050 euros

França       1.539 euros

Alemanha 1.609 euros

Hungria        487 euros


Em termos de população temos:

Portugal     10.2 milhões

França        67    milhões

Alemanha   83    milhões

Hungria        9.7 milhões


Por fim vejamos os orçamentos dos clubes:

Benfica          98   milhões

PSG             637   milhões

Bayern M.    2.6    mil milhões

Nota: não foi possível aceder ao orçamento do Ferencvaros da Hungria.

Dados: Negócios e ZeroZero


O desporto é uma actividade que está profundamente enraizada no tecido sócio-económico e nele se integra, não podendo por isso ser visto isoladamente.

Assim, cada país/clube referido neste brevíssimo quadro é o espelho da actividade e potencialidades sócio-económicas do seu país.


Para mim, estes cenários são maioritariamente denotativos do desempenho dos clubes e selecções dos respectivos países, e da forma como as suas federações estão estruturadas.


O futebol é, porém, um jogo onde, por o ser, é incompatível com a previsibilidade. Contudo, é sabido que a selecção portuguesa possui jogadores muito talentosos, quase todos jogando no estrangeiro, e que constituem uma orquestra que sabe tocar. Resta que o maestro saiba ler a partitura, coisa que Fernando Santos, o único responsável, não soube ou não quis ler o modo como a Alemanha atacava pela direita e transferia para Gosen, na ala esquerda, – face a uma equipa portuguesa mais basculada para a direita – que directamente ou centrando, vulnerabilizava, e de que maneira, a baliza de Rui Patrício, assediada por 3 a 4 jogadores.

Não fora o génio de Ronaldo, de Diogo Jota e de Bernardo Silva, Portugal teria sofrido quatro golos sem resposta. Ou então, a leitura do jogo deveria ter sido outra, bem mais esclarecida. 

Mas Fernando Santos confessou-se culpado, isentando-se a si próprio de quaisquer consequências.

A conferência de imprensa pós-jogo, foi esclarecedora das não respostas e do nervosismo de que se achava possuído.


Assim, agora, de acordo com a imprensa da especialidade, estes são os cenários:

Cenário simples: Portugal vence a França e segue para os oitavos de final como primeiro ou segundo classificado do grupo F. Mais simples, não há.

Cenário que exige contas: Portugal e França empatam. Pode bastar, porque esse ponto pode ser suficiente para Portugal ser segundo classificado no grupo F ou um dos quatro melhores terceiros classificados. Só com o decorrer dos jogos dos outros grupos, ao longo da semana, a Seleção Nacional saberá se o empate é suficiente.

Cenário mais complicado, mas possível: Portugal perde com a França. Mas, mesmo assim segue para os oitavos. Como? A Hungria não vencer a Alemanha. E depois fazer as contas e ver se Portugal é um dos quatro melhores terceiros classificados. Como em 2016.


Estas as perspectivas da selecção de um dos mais belos países mediterrânicos, de uma gente boa e acolhedora, com uma baixa capacidade de realização, como o de um aeroporto que ameaça ir para o Montijo há pelo menos 58 anos e onde o falazar ainda constitui um estranho hábito que substitui o fazer.


Resta agora esperar e, se calhar, fazer contas, porque o engenheiro não vai poder mudar o modo de jogar da selecção, incapaz que foi de ler o jogo alemão. 


E assim vamos tendo Fátima, Fado e Futebol.

 

Wednesday, April 14, 2021

O PRINCÍPIO DO VAZIO

 

Tenho gravado da memória que foi em 1968 que me encontrei com um livrinho que ainda tenho, chamado Tao Te Qing, (陶德慶) encontro esse havido numa estante da Livraria Bertrand, no Chiado.

Foi um encontro magnífico – eu que vinha da China, de uma China aportuguesada – e que provou ser uma revelação para mim, aquela capa onde, por desconhecimento do autor da mesma, estava desenhada a representação de Buda Sakyamuni. 

Dentro, há 53 anos, retive algumas estrofes, que se me gravaram no espírito, desse livro escrito entre 350 a 250 a.C.:

"Havia algo de indeterminado antes do nascimento do Universo.
Essa qualquer coisa, voga sem cessar.
Como não lhe conheço o nome, chamo-lhe Tao (Caminho, Via).
Sem um nome deve ser a Mãe do Universo.
Com um nome é o Antepassado dos deuses."

O livro fala da realidade Universal e está de acordo com o termo 天下 (tien hsia) que embora signifique "sob o céu", se refere ao mundo em geral.

Lá dentro, na estante, abriu-se-me uma outra realidade, que me deixou enlevado perante o óbvio nunca antes revelado:

"Uma casa é feita de paredes, portas e janelas.
Porém é do vazio interior que depende o seu uso"

"Trinta raios de uma roda convergem para o seu meio.
Porém é do vazio central que depende o seu uso".


Atribuído a Lao Tse, e escrito antes de abandonar Luoyang, conforme reza a lenda, o Tao Te Qing origina não só o Taoísmo, como faz nascer o termo Tao 
陶, que significa Via ou Caminho, um princípio de vida que deveria acompanhar todos aqueles que buscam aperfeiçoar-se nos princípios da sabedoria, do conhecimento e da rectidão.

Também por isso o Vazio é importante. Um homem (mulher) que seja como uma tigela cheia, jamais poderá avançar, porque já nele nada mais cabe. Por isso, para que a Via ou o Caminho se inicie é preciso que mantenhamos a nossa tigela permanentemente vazia, para que cada ser humano possa progredir.

Os chineses chamam de Sá Chan (沙塵) os enfatuados e os vaidosos, porque são areia e pó. Para eles o poder é o objectivo, esquecidos de que a vida é uma jornada onde tudo é ilusório e passageiro, embora em tantos casos a ilusão persista.

Por isso, seguir uma Via ou Caminho, Tao ou o nipónico Dô, é seguir o caminho do aperfeiçoamento pessoal, já que, querer converter ou aperfeiçoar os outros é pura ilusão.

Cabe a cada um sentir o chamamento, ou não. Porque, como diria muito mais tarde um Mestre japonês, "muitos são os caminhos que conduzem ao topo do Monte Fuji, mas a lua que de lá se vê é a mesma".






Thursday, February 11, 2021

A HISTÓRIA POR DETRÁ DOS "LAI-SI"

 



Com o Ano Novo Lunar Chinês, vem um dos costumes mais antigos da China: dar envelopes vermelhos para parentes, amigos e funcionários. Conhecidos em mandarim como 'hong bao' (que significa 'envelopes vermelhos') e em cantonês como 'lai see' (ou 'lai si', que significa 'ser útil'), esses pacotes estreitos e cheios de dinheiro representam um gesto de agradecimento , amizade e reconhecimento - uma expressão momentânea de gratidão e conexão em meio às nossas vidas ocupadas.

A tradição dos envelopes vermelhos está espalhada por todo o mundo chinês, incluindo a diáspora internacional. Também se espalhou para países do Sudeste Asiático, incluindo Vietnã, Camboja, Mianmar e Filipinas.

E enquanto muitos de nós aguardamos esses envelopes auspiciosos todos os anos, você sabe por que os trocamos em primeiro lugar? Nós rastreamos a origem, significado e adaptações modernas desta tradição consagrada pelo tempo.

Como o primeiro lai si viu a luz do dia.

O conceito de lai si foi transmitido por vários milhares de anos. Conforme a história continua, os membros mais velhos da família entrelaçavam as moedas com um cordel vermelho, chamado "sat siu cin" (壓歲錢), que significa "para afastar a velhice". Os pais colocavam as moedas sob os travesseiros das crianças na véspera de Ano Novo para suprimir os medos e afastar os maus espíritos.



Os cordéis vermelhos transformaram-se em pacotes durante a Dinastia Tang (618-907 DC), embora a data exacta seja desconhecida. Enquanto os membros da realeza e os ricos funcionários do governo encomendavam sacolas de pano tecidas à mão, as pessoas comuns usavam papel vermelho para embrulhar moedas e notas com palavras auspiciosas. 

Os idosos davam os pacotinhos vermelhos aos membros mais novos da família na véspera de Ano Novo, bem como em datas importantes, como aniversários e casamentos.

Por volta de 1900 (durante a Dinastia Qing), esses pacotes rudimentares transformaram-se em envelopes, graças aos avanços da tecnologia de impressão. As pessoas também começaram a estender a tradição para além da família, presenteando os vizinhos e amigos com envelopes vermelhos.





Uma tradição de ano novo lunar

Se é casado, dar pacotes vermelhos  é agora uma parte essencial das festividades do Ano Novo Lunar. É uma maneira de os membros mais velhos da família compartilharem as suas bençãos com os mais jovens, desejando-lhes tudo de bom no no ano que chega.

Ao dar um envelope vermelho, o dador geralmente formula bençãos e desejos, como: “Kung Hei Fát Chói” (恭喜 發財, que significa 'desejos de prosperidade'), “San Tai Kin Hong” (身體 健康, 'o melhor da saúde' ) e “Cing Ceon Seng Zyu” (青春 常駐, 'permaneça sempre jovem'). 

Geralmente, os destinatários retornarão a bênção como uma troca de votos de felicidades.

Dão-se envelopes vermelhos para pessoas queridas – uma criança, um parente solteiro ou uma pessoa mais velha. Os superiores também oferecem aos subordinados, ou alunos, os mesmos envelopes vermelhos. Também é comum dar envelopes vermelhos, os lai si aos membros da equipa nas lojas e restaurantes favoritos, guardas de segurança e limpeza do prédio, motoristas ou motoristas de táxi.

Os envelopes são especialmente apreciados por aqueles com rendimentos modestos que vivem com orçamentos apertados. Não só a receita adicional é incrivelmente bem-vinda, mas também o reconhecimento por serviços bem prestados. Assim, envelopes vermelhos foram-se tecendo no tecido que une a sociedade.

Além do mais, também pode ultrapassar uma discussão com a troca de envelopes – um gesto de que a disputa será encerrada no ano anterior, podendo iniciar o novo ciclo lunar do zero.


Os detalhes em evolução

Ainda hoje, vermelho e dourado são as melhores cores para as embalagens, diz Eugene Kong, que desenha embalagens na Macau Creations, uma empresa de criação local. Mas à medida que a sociedade muda, também muda a tradição.

“Vermelho, dourado, rosa, roxo, laranja, amarelo agora são cores de envelope comuns e aceitáveis”, acrescenta Kong. “O ponto comum é que eles significam felicidade, boa sorte, bons auspicios e riqueza. Apenas nunca dê envelopes brancos ou azuis escuros, pois essas cores são cores de luto. ”


Envelopes novos e de papel recém-impressos são ideais porque significam um novo começo. E esteticamente, notas frescas também parecem e são melhores do que notas sujas e enrugadas. Os bancos têm filas de pessoas para levantar ou trocar notas usadas por novas.

Os costumes em torno dos valores monetários também se tornaram mais elaborados. É considerado auspicioso preencher envelopes com um número par de notas, como duas por envelope. Dois, em chinês, tem o mesmo som de harmonia. E a harmonia é fundamental para os chineses.

Enquanto isso, uma quantia monetária em múltiplos de oito e nove é também boa, pois o som de "oito" rima com a palavra cantonesa significando prosperidade e "nove" com longevidade. Mas nunca dê múltiplos de quatro; o número quatro rima com "morte" em cantonense (a província onde se encontra Macau).

Quando se trata de quanto dar, depende da situação. Os valores padrão variam de MOP 20 a 50 patacas para crianças ( 2 a 5 euros) e prestadores de serviços, a milhares concedidos por um magnata dos negócios a um cliente ou parceiro de negócios importante.

De um modo geral, os montantes dos envelopes vermelhos do Ano Novo Lunar  para os colegas de trabalho e amigos íntimos não casados ​​variam entre 50 e 300 patacas (5 a 30 euros). Porque é que os casados ​​dão aos solteiros? Isso remete a um valor antigo na cultura chinesa: quanto mais filhos ou netos uma pessoa tem, mais abençoada ela é.

Visto que o casamento é normalmente o primeiro passo para ter filhos, geralmente considera-se que os casais têm mais bençãos para compartilhar com outras pessoas. Mas na actualidade, alguns adultos solteiros também dão envelopes vermelhos para os membros mais jovens das suas famílias.


Dar pacotes vermelhos durante todo o ano

Muitas pessoas gostam tanto de dar que não esperam pelo Ano Novo Chinês para distribuir envelopes vermelhos. Eles podem surpreender sua família com presentes ao longo do ano, ou mantêm envelopes nas suas bolsas ou carteiras para distribuir aos motoristas de táxi, vendedores e mesmo estranhos que tenham sido gentis, amáveis e prestáveis.

Os envelopes vermelhos também são o presente preferido em casamentos. No mundo chinês, os casamentos podem custar dezenas, até centenas, de milhares de Euros, uma vez que ambos os lados da família querem convidar um grande número de familiares e amigos e proporcionar a melhor comida e vinho. Além disso, os recém-casados ​​devem mobiliar a sua nova casa nova. O casal geralmente espera que os convidados lhes dêem pacotes vermelhos, o que ajudará a cobrir as despesas.

Entre as famílias ricas em Macau e noutras partes da Grande China, é comum que os mais velhos distribuam pacotes vermelhos que chegam aos 1.000 euros ou mais durante eventos significativos da vida, como aniversários, formatura, mudança para estudar, casamentos ou nascimentos. Esta é uma forma de demonstrar amor e afecto numa cultura que tradicionalmente não expressa esses sentimentos verbalmente.

Nesse caso, o valor monetário em um envelope será decidido por vários fatores, incluindo a ocasião ou circunstâncias e a posição social do doador e do receptor. A pressão para dar os lai si mais grossos é maior para os ricos, que devem ser generosos com todos. Mas, se tiverem sorte, podem receber em troca alguns envelopes bem recheados.


Os chineses tradicionais não se abraçam nem se beijam em público, nem se sabe se o fariam em privado. É uma cultura radicalmente diferente. Imagine uma família que vai esperar o filho ao aeroporto. Ao vê-los, o rapaz corre para eles, a família fica excitadíssima. Mas mal se aproximam, em vez do esperado abraço, dos beijos, eles estacam, agarram as mãos e falam muito. 

Hoje em dia, com a globalização, as coisas mudaram um pouco.

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