O futebol tem-se vindo a tornar num fenómeno
que não apenas movimenta muitos milhões, como, igualmente, desperta paixões e
verdadeiras obsessões que em nada o favorecem. Todos os que me conhecem sabem
que sou sportinguista, alguns saberão que dei sete anos da minha vida para ajudar
a reactivar e relançar o Sporting Clube
de Macau, para chegar à conclusão de que a mediocridade da organização e a
minha consequente saturação deram por terminada a minha modesta “experiência”
no futebol.
Ontem o meu clube da capital perdeu no derbi da
Supertaça para o Benfica. Pude ver meio jogo com atenção. Porém aprendi com a
saturação, que as obsessões são perigosas, sobretudo quando existe vida para além
da bola.
Então deixei de sofrer com as derrotas,
relativizando-as, embora jamais tenha querido fazer autos de fé a jogadores e
treinadores. Ser-se do Sporting, do Benfica, do Porto ou do Belenenses é uma
opção quase sempre herdada do berço. Não compreendo como, por causa do futebol,
por causa de derrotas ou vitórias, se cheguem a extremos emocionais que racionalmente
se tornam inexplicáveis, nem mesmo com “As Tribos do Futebol” do Desmond
Morris.
Talvez
seja porque transporto uma cultura híbrida – não sei, uma mistura de Oriente e
Ocidente – e que coisas destas requeiram um distanciamento que nos protejam do
sofrimento, algo que o budismo descreve como avidya, ignorância, ou ignorar a inteligência.
Faço uma citação
do monge Chogyam Trungpa:
“ É o culminar
do primeiro skandha, ou imperfeição, a criação da ignorância-forma.
De facto, este skandha da ignorância-forma, tem três diferentes aspectos ou estágios que podemos
examinar através do uso de outra metáfora. Suponhamos que no início há uma
planície aberta sem montanhas ou árvores, terra completamente aberta, um
simples deserto sem qualquer característica particular. É assim que somos, o
que somos. Somos muito simples e básicos. E, no entanto, há um Sol que brilha,
uma Lua que brilha e há luzes e cores, a textura do deserto. Haverá também
algum sentimento da energia que se manifesta entre o céu e a terra. E isto
continua sem parar.
Quando se fala de
«ignorância», não nos referimos à estupidez em si. Em certo sentido, a
ignorância é muito inteligente, mas é uma inteligência completamente biunívoca.
Isto é, reagimos puramente às nossas projecções em vez de simplesmente vermos o
que é. Não há uma situação do «deixar ser», porque durante todo esse tempo
ignoramos o que somos. Essa é a definição básica de ignorância.”
Somos assim
presos ao objecto de desejo, do prazer ou sofrimento e, em vez de nos libertarmos,
cada vez mais nos enredamos na teia semelhante ao vício do jogo que se apossa
do viciado e lhe retira o discernimento.
Esse é o perigo
das paixões descontroladas que tornam o homem em algo primário, troglodita mesmo.
A fotografia
que encima este pequeno texto ilustra bem a realidade do desporto e aquilo em
que a realidade se transforma pelas paixões descontroladas.
Ganhar ou perder
faz parte das regras do jogo. Há que saber ganhar e saber perder com elegância
e pelas razões apontadas que se opõem ao primarismo.
Busquemos antes de tudo a Paz e a Felicidade.