Monday, August 5, 2019

O PRINCÍPIO DA RELATIVIZAÇÃO


O futebol tem-se vindo a tornar num fenómeno que não apenas movimenta muitos milhões, como, igualmente, desperta paixões e verdadeiras obsessões que em nada o favorecem. Todos os que me conhecem sabem que sou sportinguista, alguns saberão que dei sete anos da minha vida para ajudar a reactivar e  relançar o Sporting Clube de Macau, para chegar à conclusão de que a mediocridade da organização e a minha consequente saturação deram por terminada a minha modesta “experiência” no futebol.
Ontem o meu clube da capital perdeu no derbi da Supertaça para o Benfica. Pude ver meio jogo com atenção. Porém aprendi com a saturação, que as obsessões são perigosas, sobretudo quando existe vida para além da bola.
Então deixei de sofrer com as derrotas, relativizando-as, embora jamais tenha querido fazer autos de fé a jogadores e treinadores. Ser-se do Sporting, do Benfica, do Porto ou do Belenenses é uma opção quase sempre herdada do berço. Não compreendo como, por causa do futebol, por causa de derrotas ou vitórias, se cheguem a extremos emocionais que racionalmente se tornam inexplicáveis, nem mesmo com “As Tribos do Futebol” do Desmond Morris.
Talvez seja porque transporto uma cultura híbrida – não sei, uma mistura de Oriente e Ocidente – e que coisas destas requeiram um distanciamento que nos protejam do sofrimento, algo que o budismo descreve como avidya, ignorância, ou ignorar a inteligência.
Faço uma citação do monge Chogyam Trungpa:
“ É o culminar do primeiro skandha, ou imperfeição, a criação da ignorância-forma.
De facto, este skandha da ignorância-forma, tem três diferentes aspectos ou estágios que podemos examinar através do uso de outra metáfora. Suponhamos que no início há uma planície aberta sem montanhas ou árvores, terra completamente aberta, um simples deserto sem qualquer característica particular. É assim que somos, o que somos. Somos muito simples e básicos. E, no entanto, há um Sol que brilha, uma Lua que brilha e há luzes e cores, a textura do deserto. Haverá também algum sentimento da energia que se manifesta entre o céu e a terra. E isto continua sem parar.
Quando se fala de «ignorância», não nos referimos à estupidez em si. Em certo sentido, a ignorância é muito inteligente, mas é uma inteligência completamente biunívoca. Isto é, reagimos puramente às nossas projecções em vez de simplesmente vermos o que é. Não há uma situação do «deixar ser», porque durante todo esse tempo ignoramos o que somos. Essa é a definição básica de ignorância.”
Somos assim presos ao objecto de desejo, do prazer ou sofrimento e, em vez de nos libertarmos, cada vez mais nos enredamos na teia semelhante ao vício do jogo que se apossa do viciado e lhe retira o discernimento.
Esse é o perigo das paixões descontroladas que tornam o homem em algo primário, troglodita mesmo.
A fotografia que encima este pequeno texto ilustra bem a realidade do desporto e aquilo em que a realidade se transforma pelas paixões descontroladas.
Ganhar ou perder faz parte das regras do jogo. Há que saber ganhar e saber perder com elegância e pelas razões apontadas que se opõem ao primarismo.
Busquemos antes de tudo a Paz e a Felicidade.

Sunday, July 14, 2019

O LADO DE LADO NENHUM



As cidades são lugares de fascínio, de lides com o tempo, organismos vivos, legados, lugares construídos pelos que nos precederam em diferentes passados, respeitados e homenageados pela nossa vivência, engenho e vontade de os continuar.
As cidades só o são quando a sua autenticidade é respeitada e orgulhosamente vivida, fruída.
De outro modo, não é cidade, mas um amontoado urbano onde o vegetar se substitui à fruição.
Este lugar, em que estou e sou, embala-me o sentimento, e me faz, também aqui, sentir-me vivo de aqui estar.
Aqui diz-se “bom dia, como está, com sua licença, por favor e obrigado”.
Num café gerido por uma velha viúva curvada, vestida de negro, e duas filhas, abeirou-se da minha mesa um rapaz, talvez de doze anos, o tronco desnudo, que, com o maior respeito, em sentido, a voz tímida mas digna, pediu:
“peço desculpa de interromper, mas será que o senhor me poderia dar um cigarro?” e nessas palavras, a um tempo sedutoras e respeitosas, se resume o precoce reconhecimento do Outro, mesmo que ao pedido tenha respondido "não fumo".
Aqui por perto há uma lojinha fabulosa, porque encarna tudo quanto se tornou anacrónico. Primeiro, porque existe há mais de sessenta anos. Depois, porque continua a ostentar cautelas, lotarias forrando as paredes, namorando as raspadinhas de hoje, e jornais e revistas, tudo exalando a tempo, às intermináveis gerações de alunos comprando cadernos e esferográficas, e ali, sempre ali, o senhor Pereira, lento porque esse é o seu compasso,  me diz “até que...”
Logo ao lado, antes das sete da manhã, à esquina, abre o café pastelaria, o dono a dar o exemplo, a menina do balcão segue-lhe os passos e o empregado de óculos grossos por baixo de uma calvície precoce termina a procissão. 
Entro de seguida, e um sorriso acolhe-me, e breve me chega à mesa, o tampo de mármore, o “abatanado” cheio e a tosta mista, e eu a adaptar-me lentamente aos ponteiros deste tempo.
Isto tudo é gente que trabalha, com um porte que transpira uma subtil dignidade, igual à das pedras de onde parecem provir.
Uma nostalgia indizível apodera-se de mim porque me recorda o tempo em que, de onde venho e aonde pertenço sobretudo, havia triciclos e riquexós, cigarras, e as árvores não eram serradas, abatidas. Eram pujantes acácias rubras ocultando cigarras cantando, alternando com o auto-china1 de um qualquer rádio, e todos nos dávamos, numa entrega independente da língua. Éramos todos dali, e os que arribavam breve submergiam no rio da história desse lugar.
Agora talvez poucos saibam o que é uma cidade, onde o saber deu lugar à ignorância, ao consumo e à carestia.
Por isso eu digo que sou daqui e dali, sou do meu lado, um lado sem lados, um como que buraco de mim, grave, fundo.
Não sou de nenhum lado, sou antes, de mim, o esqueleto, a estrutura, folha desfolhada onde se vislumbram memórias e resíduos.
Ser-se, existir, é uma estranha complexidade simples, uma cosmologia, uma prisão livre ou, quem sabe (e eu só tenho dúvidas por certezas) uma liberdade aprisionada, espécie de furacão agrilhoado. Chego-  me para um dos lados de nenhum e deixo que acreditem.
Mergulho na profundidade do silêncio para perceber qual dos lados das facetas é, ainda que saiba que nada saberei, porque o saber é uma transcendência que não se compadece com as ilusões do estar ou do ser, isto é, do tempo e do lugar. É aquilo que se nos sobrepõe, inominável. Assim é o lugar de onde sou, sem lados, um pé num continente e o outro pé noutro, tornam-me, quiçá, de lado nenhum.

1auto-china: designação tradicionalmente macaense da ópera chinesa 

Saturday, March 16, 2019

CRIATIVIDADE E LUGAR


Criar é um acto de descodificação e de antecipação de cenários e visões do desenvolvimento das heranças culturais inerentes àquele que cria. Não é a esse acto, de todo indiferente, o peso da cultura dentro da qual se opera o acto de criar, porque é nas tradições religiosas, éticas e morais, ou pela sua negação, que assenta este processo.

A Ocidente, está o acto criativo consagrado, desde o Princípio, no Verbo. Tão só!

Assim, Criação e acto criativo, como que se confundem, na tradição judaico-cristã. Este procurando emular aquela, proveniente de Jeová, de Javé, de Deus. É, mais que simbolicamente, a reconstituição de um acto divino humanizante, porquanto, ao Sétimo Dia, o Criador descansa. Assim está nas escrituras. O Deus de Abraão, de Jacob e de Moisés repousa do esforço de criar, depois de também ter criado Adão, segundo está escrito, à sua imagem e semelhança.

É este premeditado conluio no descanso, na humanização do sagrado judaico-cristão que, por sua vez, sacraliza no homem o esforço deste em emular a criação, pelas vias que sabe. É assim que nesta plataforma deificante tem lugar o acto de tornar presente o futuro, característica essencial da criatividade humana. O criador transforma-se no sacerdote que ao longo dos séculos tem vindo a repetir a consagração da referência máxima: "tomai e comei. Sempre que o fizerdes, fazei-o em memória de mim", sem que, todavia, lhe esteja inerente a mais bela conversa cristã entre o homem e o Criador: Pai nosso…

A Oriente, a relação com o sentido da divindade transmuta-se para um nível cósmico, remetendo o homem, enquanto entidade criadora, para uma dimensão entre o Todo e o Nada, onde a divindade está, no seu essencial, removida.

O acto de criar advém então, não na ascensão ao divino mas na perceptibilidade da essência, na nulificação do ego enquanto entidade ciente e física, convivendo com uma realidade feita de aparências, de ilusões que tendem a toldar, camada sobre camada, o âmago da consciência pura, despida de interferências conducentes ao conhecimento mais depurado de níveis de realidade diferentes.

Como já se inferiu, não é indiferente ao acto de criar a geografia. Preside esta ao próprio nascimento do criativo, determinando-lhe cenário, circunstância e herança cultural, definindo-lhe raízes de onde deverá fazer crescer outras, subordinando-o a um contexto de onde também deverá saír, para depois, regressar prodigamente.

Contudo, não deixo de me questionar sobre o destino, a opção das sociedades mestiças.

Toda esta reflexão é-me suscitada pela revolução inovadora da Sociedade da Informação, globalizante para uns, modernidade para outros, porventura mais receosos de se diluírem em palavras mais comuns.
Aos criativos não importará em demasia a semântica como fim, apenas como meio. Importa contudo notar que a mais presente das actualidades é produto do somatório de todos os passados da Humanidade. Será pois dos arquétipos e dos signos que o criativo recorre para estabelecer a sua linguagem específica. 

Porém, mais do que a virtualidade da Sociedade de Informação, mais do que as chamadas auto-estradas da informação, é a contemplação da linguagem matemática do ciberespaço que suscita a eclosão de uma perplexidade perante um novo Universo criado pelo homem.

Ao contrário de Deus ou da divindade, o homem criou a mais próxima e mais imaterial das realidades, ou, porque não, a mais distantemente próxima ilusão de realidade material.

Ao criativo, perante as tecnologias, depara-se-lhe um novo campo de intervenção, não apenas no âmbito da linguagem virtual, mas mesmo na recuperação e actualização de outras formas mais tradicionais de expressão. Ou dizendo de outra forma, além de novas ordens económica, jurídica, e mesmo da governação, a era do código binário da sociedade de informação anuncia alternativas de criação artística sobre suportes imateriais, mas nem por isso menos democratizados que a fotografia, a xilogravura, a litografia, a gravura sobre metal ou a serigrafia.

Contudo, e dentro do acesso a outras realidades que Macau proporciona, a Sociedade da Informação propõe um enorme desafio a cerca de um quinto da população. Com efeito sabe-se que a maioria da população chinesa não fala senão a sua língua, ainda que seja patente o surto de desenvolvimento que ocorre há quase duas décadas na Mãe-China.

Contudo numa ética que se deseja global, não podem ocorrer exclusões decorrentes de um massivo predomínio de uma língua de comunicação.

Porém, não podendo o desenvolvimento tecnológico ser sustido pela vida própria que adquiriu, a contemporaneidade da China ainda a mantém numa situação de exclusão linguística na sociedade de informação.

Ao surto desenvolvimentista que sopra na China há que adicionar o seu acesso de pleno direito a esta nova versão de sociedade das nações e de cidadanias virtuais. Algumas razões de peso levam à expressão deste desejo que é um enorme desafio há pluralização linguística da China.

Constituindo a exclusão uma forma de discriminação, não se afigura viável que a China e a sua cultura possam ou devam estar representadas por sinólogos de outros países. Isto é, na sociedade de informação, o acesso de pleno direito é uma condição de autenticidade de conteúdos e de legibilidade culltural.

Quiseram a História e a Economia, que o Ocidente tivesse uma prevalência de disseminação cultural sobre o resto do mundo. Mas ao falar-se da China, fala-se igualmente da Coreia e do Japão, portadores de uma escrita que nenhuma romanização trará solução.

Assim existe um dilema que à partida exclui do acesso, usufruto e troca de ideias, cerca de um quinto da população mundial, com as confirmadoras excepções às regras, nas élites linguísticas destes países.

Por maioria de conteúdos e de razão, falhado há muito o esperanto, o inglês é a inevitável língua de comunicação na sociedade de informação. E estou certo que milhões de pessoas têm para com a China e os chineses uma enorme expectativa relativamente ao seu desempenho e revelação cultural no espaço virtual. Haverá certamente uma enorme curiosidade sobre o modo como tanto de Oriente interpreta o mundo de hoje.

Põe-se assim ao multi-milenar Império do Meio a perspectiva e o desafio de novamente se reinventar numa perspectiva de desenvolvimento integrado, para que, com a proverbial sabedoria, possa teorizar sobre o espaço virtual e, sobre criação e criativos, emitir opiniões e publicar estudos que permitam ao resto da humanidade virtualizada, aceder a outras visões sobre o acto criativo.

ESCRITO NO SÉCULO XX

Sunday, March 3, 2019

THIS THING CALLED CARNIVAL


Present day Carnival is an inheritance of several celebrations realized in Antiquity by people like the Egyptians, Hebrews, Greeks and Romans. These pagan feasts (pagan is any person or thing that is not related to baptism from the standpoint of Judaism, Christianity and Islam, but which follows and adopts rituals of polytheistic religions) served to celebrate great harvests and especially to praise divinities.
It is likely that the most important ancestors of Carnival were the "saturnals" held in ancient Rome in exaltation to Saturn, the god of agriculture. At the time of this celebration, the schools closed, the slaves were released and the Romans danced in the streets.
There was even a sort of "great-grandfather" of the current floats. They carried naked men and women and they were called carrum navalis, something like "naval car", since they were shaped like ships. Some researchers see the origin of the word "carnival" there.

Most scholars, however, think the term comes from another Latin term: carnem levare, which means "to withdraw or be free from the flesh." This is because, as early as the Middle Ages, these old pagan festivities were incorporated by the Catholic Church, marking the last days of "freedom" before the restrictions imposed by Lent, which are the 40 days before Easter.
In this period of penance for Christians (during the 40 days before Easter), the consumption of meat was forbidden. The variation of the Carnival date in the calendar is due to the direct link with Easter - which, in the Southern Hemisphere, always happens on the first Sunday after the first full moon of Autumn.
Given the date of the Christian holiday, just go back 46 days in the calendar (40 Lent plus six Holy Week) to reach Ash Wednesday.
The Carnival celebration took on different forms in the Catholic countries that held the celebration. In Brazil, the influence of the "entrudo" was great, a general “folia” meaning old bustling Portuguese dance, accompanied by songs, tambourines and performed by men dressed as women, made in Portugal, where the jokes with water were common.
In its beginnings, in the 17th century, the Carnival in Portugal had no music or dance, played the “entrudo”(the three days that precede Lent). This is where the "water wars" custom came from.
But the “artillery” of those times was often heavier, with not only water buckets and cans, but also mud, oranges, eggs, and lemons, small balls of fine wax stuffed with water and other substances.
Madness
Another tradition of Carnival is the habit of men dressing in women's outfits. There are records of this in street revelry since the beginning of the 20th century.
These men dressed as women are called Matrafonas


"The explanation lies in the very party of psychology, an inversion space, which seeks to be exactly what one is not in the rest of the year," says the philologist Rachel Valencia, director of the Research Center of the House of Rui Barbosa Foundation, in Rio de Janeiro, Brazil.

The Zés Pereiras, drum troupes genuinely from Portugal

Open wings for a Brazilian beat
Carnival marching bands set the tone for the party between the 1930s and 1950s. But the rhythm emerged in the late 19th century. "O Abre Alas" is considered the first song written especially for a Carnival block.
The "music for dancing" was composed by the teacher Chiquinha Gonzaga, in 1899, for the carnival group Rosa de Ouro, from Andaraí, in Rio de Janeiro.
With the block on the street (from Rio)

World famous Brazilian Carnival with Samba dance

The carnival blocks appeared in the middle of the 19th century. The first one to be reported is credited to the Portuguese shoemaker José Nogueira de Azevedo Prates, Zé Pereira. In 1846, he left the streets of Rio playing a kick drum. The shuffle attracted the attention of other revellers, who were joining the solitary musician.

Brazilian dancer. Most dancers are far from being rich but save a year for their costumes.

Carnival is, therefore a very specific word for a very specific set of events that take place for three days non stop. It may be the release or sublimation of many frustrations, stress, through the use of energy and joy.

A DIMINUIÇÃO DO QI, O EMPOBRECIMENTO DA LINGUAGEM E A RUÍNA DO PENSAMENTO.

        Christophe Clavé “O efeito Flynn, baptizado em homenagem ao seu criador, prevaleceu até à década de 1960. O seu princípio é que o Qu...